SANTOS, Afonso Henriques Moreira. “O Contrassenso do Governo Federal na Busca de Investidores”. Agência CanalEnergia. Rio de Janeiro. 31 de outubro de
2016.
Com menos de sessenta dias do início efetivo do novo governo, começam a aparecer demonstrações de que o cenário está mudando e que o Governo Federal
se esforça para criar um ambiente de negócios propício para o aumento da atividade econômica, baseado na livre iniciativa e nos investimentos privados nos diversos
setores. Recente manchete de capa do jornal Valor Econômico (26/10) dá destaque à discussão sobre proteção cambial para as novas concessões, com a preocupação
de atrair um maior número de interessados para os novos leilões de concessões.
Condição, esta, "sine qua non" para a atração de capital próprio e de terceiros.
Apesar deste esforço existem certas atitudes, que, claramente, jogam contra este atual objetivo do Governo Federal.
Neste meu texto, gostaria de colocar o foco em uma, que já vem sendo discutida há algum tempo, e que, aparentemente, o Projeto de Lei de Conversão nº 29 da Medida
Provisório no 735, no seu art. 9o, deverá resolver.
Desde 2015, a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL decidiu abolir das modalidades de garantia para fiel cumprimento de obrigações, estabelecidas por ela
em processos de outorga, o seguro-garantia. Com o argumento de que esta modalidade é de difícil execução, ela simplesmente foi excluída, contrariando o
previsto na Lei no 8.666 (que serve, em seus princípios, como balizamento a estes processos), onde se estabelece a livre escolha pelo agente entre as modalidades de
caução, fiança, seguro-garantia e títulos públicos. Contudo, o que parecia ser uma decisão sistêmica, sobre a dita fragilidade deste instrumento, se restringiu apenas
aos empreendimentos de geração autorizados pela ANEEL, cuja a energia é destinada ao mercado livre. Claramente uma falta de isonomia entre agentes, que
não pode ser sustentada pelo arbítrio inerente à regulação, posto ser necessário razoabilidade e a devida justificativa (da não isonomia). Não há outra explicação para
isto que não seja um preconceito com esses empreendimentos, como já visto em outras ocasiões, mas que tem sido, em muitos casos corrigidos.
A quase totalidade de obras de infraestrutura nacional (estradas, linhas, centrais de geração, aeroportos, metrô, portos, etc.) utiliza o seguro garantia. No âmbito do setor
elétrico, todos os outros agentes o fazem sem restrições. Se a preocupação demonstrada pelo Regulador fosse relevante e vigente, não deveria ser permitida a
utilização deste instrumento no leilão de linhas de transmissão, do dia 28 de outubro.
Porém o mesmo está previsto no seu edital. Neste caso a garantia de fiel cumprimento é da ordem de R$ 1,25 bilhão, provavelmente de seguro-garantia. Para
fins de comparação, seria suficiente para garantir 4.000 MW em centrais de geração hidrelétrica. Portanto, não é um problema sistêmico.
Tal determinação não parece ser um preconceito com uma tecnologia definida, porque, se as mesmas centrais vendessem energia para o ambiente regulado,
poderiam utilizar o seguro garantia. Isto, provavelmente, seja o argumento mais forte contra esta irracionalidade, pois, em um leilão para o ambiente regulado (para a
proteção de consumidores com "pouca capacidade de defesa", como pensado pelo governo), os vendedores irão atender o serviço público de distribuição de energia
elétrica comprometendo-se "apenas" com o seguro garantia. Já no caso do mercado livre, aonde não há garantias de volume e preço, trazendo maior risco aos agentes,
exige-se forma de garantia ainda mais onerosa. Poderia se concluir que o preconceito é com o mercado livre e não com o autorizado. Será?
Espera-se que, com as discussões ocorridas no processo de tramitação da MP no 735, e com o desejo do atual Governo Federal na criação de um melhor ambiente de
negócio, o dispositivo que corrige esta distorção (que criou um gueto de empreendimentos autorizados sem acesso ao seguro garantia) seja aprovado sem
vetos. E, com isto, encerre este preconceito herdado do governo anterior, permitindo que a ANEEL cumpra a sua missão de desenvolver o mercado de energia de forma
harmônica e com equilíbrio.
Afonso Henriques Moreira Santos é professor da Universidade Federal de
Itajubá (Unifei), Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos e ex-diretor da Aneel.