Notícias do setor
11/12/2020
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Supremo mantém decisão que anula privatização da CEB Distribuição

porGuilherme Serodio

 10 de dezembro de 2020

Em JudiciárioSetor elétrico

O ministro Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal, negou um pedido do Governo do Distrito Federal para derrubar a decisão liminar que suspende a privatização da CEB Distribuição (CEB-D).

O leilão foi realizado em 4 de dezembro e vencido pela Bahia Geração de Energia S.A., controlada pela NeoenergiaA companhia deu lance de R$ 2,515 bilhões pela aquisição de 100% das ações da distribuidora de energia que atende ao Distrito Federal.

A decisão liminar contra a privatização foi dada pela desembargadora Fátima Rafael, do Tribunal de Justiça do DF (TJDF), no dia anterior ao leilão.

A desembargadora havia determinado a suspensão da deliberação tomada na 103ª Assembleia Geral Extraordinária da CEB. A assembleia permitia a venda do capital da companhia sem prévia consulta à Assembleia Legislativa do DF.

O certame foi mantido pelo governo do Distrito Federal mesmo com a decisão em contrário da Justiça, o que levou um grupo de deputados distritais a ingressar com agravo de instrumento na mesma corte, informando o descumprimento da ordem judicial. Essa solicitação ainda não foi apreciada.

 

Paralelamente, o governo do Distrito Federal tentou derrubar a decisão da desembargadora no STF, alegando que os parlamentares que ingressaram com a ação original no TJDF  induziram a justiça a erro. O recurso do Executivo do Distrito Federal afirmava ainda que a decisão liminar da desembargadora desrespeitava uma decisão do próprio ministro Marques do STF, que, em julgamento anterior, recusou outro pedido de liminar contra o leilão das ações da companhia.

Os deputados distritais foram representados na ação no STF pelo escritório Advocacia Garcez.

“Torna-se ainda mais evidente quão ilegal foi a tentativa de realizar o leilão mesmo existindo decisão judicial a proibindo”, afirmaram os advogados Maximiliano Garcez e Elisa Oliveira, em nota publicada no site do escritório.

“O GDF antes do leilão tentou suspender a decisão, e mesmo sem conseguir, de modo inusitado e em violação ao Estado Democrático de Direito, realizou ilegalmente leilão que é nulo de pleno direito”, afirmam.

Aneel sugere plataforma para liquidação de encargos de transmissão

Discussão sobre o tema foi iniciada nesta quinta-feira, 10, em consulta pública

SUELI MONTENEGRO, DA AGÊNCIA CANALENERGIA, DE BRASÍLIA

A Análise de Impacto Regulatório do aperfeiçoamento da liquidação financeira dos Encargos de Uso do Sistema de Transmissão está disponível aos interessados em discutir o tema. A Agência Nacional de Energia Elétrica apresentou quatro alternativas de revisão, mas considera a mais adequada a de número dois, que é a implantação de plataforma única para suporte ao processo de liquidação financeira.

As opções que estão em consulta pública são: não regular, criar uma plataforma única, padronizar diversos processos da liquidação dos Eust e escolher uma instituição financeira centralizadora do processo.

O período de contribuições foi iniciado nesta quinta-feira, 10 de dezembro, e será encerrado em 25 de janeiro de 2021. Os participantes terão que preencher um Formulário de Contribuições da CP 075/2020 na página www.aneel.gov.br/consultas-publicas.

CCEE pressiona regulador a abrir audiência sobre segurança do mercado livre

Mais uma comercializadora foi colocada em monitoramento devido ao risco de não honrar com contratos no mercado de energia elétrica

WAGNER FREIRE, DA AGÊNCIA CANALENERGIA, DE SÃO PAULO

O presidente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Rui Altieri, voltou a pedir ao regulador para que seja aberta a audiência pública para discutir com os agentes as propostas da entidade para aumentar a segurança das operações de compra e venda de energia no mercado livre.

“É um exercício quase que diário com a Aneel para abrir a audiência pública”, revelou o executivo, reforçando que esse é um tema que precisa se investir muito esforço para que haja avanços em 2021. “A justificativa é falta de agenda”, disse.

Em conversa com a imprensa nesta quinta-feira, 10 de dezembro, Altieri disse que a CCEE precisou colocar a Alfa Comercializadora em “operação assistida”, que é o nível máximo de monitoramento da entidade (situação na qual a empresa continua operando, mas os contratos são acompanhados no detalhe antes de serem registrados).

Essa é a terceira comercializadora nesta situação. Ela se junta a Lúmen e a Rio Alto, que estão desde 2019 sob monitoramento assistido pela CCEE. A Alfa foi aberta em junho de 2017, segundo apurou a Agência CanalEnergia e possui capital social de R$ 5 milhões. Segundo a CCEE, a Alfa comprou 30 MW médios no último Mecanismos de Venda de Excedentes (MVE), que possivelmente não devem ser pagos.

“Espero que esse exemplo ruim sirva para motivar a abertura da audiência pela Aneel”.

A reportagem apurou e teve acesso ao contrato social da Alfa. A empresa foi aberta pelos sócios Marcelo de Moraes Barreto Neto e Marcos de Andrade Rocha. Em 10 de setembro de 2019, a empresa foi vendida por R$ 1 milhão para Francisco Eusébio de Souza Junior.

Altieri destacou que desde março de 2019 o mercado livre de energia está com problemas de segurança e muito pouco se avançou nesse período no âmbito regulatório. A CCEE enviou três propostas oficiais para aumentar a segurança das operações no mercado livre, mas até agora a Aneel não tomou nenhuma medida concreta. “Achamos que precisamos de novos instrumentos para fazer a gestão do risco do mercado”, disse.

No início de 2019, um rombo de R$ 200 milhões deflagrado pela comercializadora Vega Energy instalou uma enorme crise no mercado livre. O tempo passou, a poeira abaixou e muito pouco foi feito pelo regulador para evitar que situações semelhantes se repitam. Altieri disse que o mercado de energia “não é um cassino”. As operações devem ser feitas com “muita responsabilidade”.

“Se quiser jogar, aporte a garantia”, disparou o executivo, que lembrou que a entidade está trabalhando há quase 3 anos no assunto e não conseguiu “avançar em nada”. “É inexplicável, porque o nível de preocupação não mudou”, completou.

Comercialização de comercializadoras

Em setembro, a Agência CanalEnergia alertou para o número de comercializadoras que desde sua adesão não registraram nenhum contrato de compra ou venda de energia junto a CCEE. Em agosto, eram 81 empresas nessa situação. Atualmente são 60 empresas inativas.

Essas comercializadoras de “prateleira” podem servir de “porta de retorno” para agentes que tiveram problemas no mercado e querem retornar com um novo CNPJ.

A CCEE incluiu nas propostas de aprimoramento da segurança de mercado, a permissão para o desligamento de empresas que estiverem inativas ou sem comercializar energia há mais de 12 meses caso a companhia não justifique sua situação.

No mesmo documento, a CCEE propõe a necessidade de revalidação de todo o processo de adesão em caso de mudança no controle societário da comercializadora. O objetivo das medidas é justamente coibir a venda de empresas inativas e sua aquisição por pessoas que não passaram pelo crivo da CCEE e da Aneel.

 

Lara Resende: Por que Summers e Bernanke agora defendem política fiscal expansionista

A hora é da política fiscal expansionista com ênfase nos investimentos públicos, propõem grandes nomes da formulação econômica americana

Por André Lara Resende — Para o Valor 

1 de 5 Saem as políticas de austeridade e a busca do equilíbrio orçamentário: a relação dívida/PIB é um indicador enganoso, segundo texto coassinado por Larry Summers — Foto: David Paul Morris/Bloomberg

Saem as políticas de austeridade e a busca do equilíbrio orçamentário: a relação dívida/PIB é um indicador enganoso, segundo texto coassinado por Larry Summers — Foto: David Paul Morris/Bloomberg

No dia 1º de dezembro, duas das instituições mais influentes de Washington, a Brookins e o Peterson Institute, promoveram um seminário para reavaliar o papel da política fiscal. Jason Furman e Larry Summers, ambos professores da Universidade de Harvard, respectivamente ex-presidente do Conselho Econômico de Obama e ex-secretário do Tesouro de Clinton, prepararam o texto que serviu de base para a discussão1. Para o debate foram convidados, além dos ilustres autores, Ben Bernanke, Olivier Blanchard e Kenneth Rogoff. Bernanke presidiu o Fed durante a grande crise financeira de 2008, Blanchard e Rogoff foram economistas-chefes do FMI. Os três são renomados acadêmicos, doutorados pelo MIT, professores das Universidades de Harvard e Princeton. Estamos falando do que é a melhor expressão do cruzamento entre a academia e a tecnocracia, a fina flor da formulação e da execução da política econômica americana.

A conclusão do seminário, como disse Summers e, em seguida, Blanchard repetiu no Twitter, é que estamos diante de uma mudança de paradigma. Cesse tudo que a antiga musa canta, saem as políticas de austeridade e a busca do equilíbrio orçamentário. A tão decantada relação dívida/PIB é um indicador enganoso, deve ser desconsiderado. A hora é de uma política fiscal expansionista com ênfase nos investimentos públicos.

Essa já vem sendo a tese defendida pelo FMI. A diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, e a economista-chefe, Gita Gopinath, deram recentemente entrevistas defendendo o uso da política fiscal, tanto para amenizar a crise provocada pela pandemia como para garantir uma recuperação sustentada uma vez passada a crise.

2 de 5 Ben Bernanke sustenta que os investimentos públicos em infraestrutura, saúde etc. têm retorno mais elevado do que os investimentos privados — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

Ben Bernanke sustenta que os investimentos públicos em infraestrutura, saúde etc. têm retorno mais elevado do que os investimentos privados — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

Contra a corrente e sofrendo severas críticas, venho batendo nessa tecla desde antes da pandemia. Sustento que a combinação de uma política de juros altíssimos, conduzida pelo Banco Central desde a estabilização da inflação, com o Real em 1994, até muito recentemente, combinada com uma obsessão de equilibrar as contas públicas através de aumento da carga tributária e de corte dos investimentos, foi razão do baixo crescimento da economia nestes últimos 25 anos. Mas, antes de analisar o caso do Brasil, vejamos o que dizem Furman e Summers.

Comecemos pela relação dívida/PIB, que os nossos economistas e analistas que despontam na mídia usam como um indicador de que caminhamos inexoravelmente para o abismo. Os luminares americanos concluíram que estavam equivocados. A relação dívida/PIB não deve ser levada em consideração como indicador da solvência de um país. É um indicador falacioso, porque compara um estoque, a dívida, com um fluxo, a renda.

Na sua apresentação, Furman diz que nunca mais deixará de se sentir culpado por ter usado o conceito de dívida/PIB por tantos anos. Um indicador relevante deve comparar fluxo com fluxo, ou estoque com estoque. A comparação de estoque com estoque exige que se calcule o Valor Presente Redescontado (VPR) dos PIBs futuros do país. O VPR, ou o Valor Presente Líquido, é um conceito amplamente usado em economia e finanças.

Uma agência de investimentos públicos é tão ou mais importante do que o BC: políticas monetária e fiscal são indissociáveis

Usa-se o VPR, por exemplo, para calcular o valor de uma empresa, a partir da estimativa de seus lucros futuros. Porque depende dos fluxos esperados de renda futura e da taxa de juros utilizada, o VPR está sujeito a grandes variações, de acordo com as expectativas utilizadas no seu cálculo. É essa variação que faz com que alguns achem que uma empresa cotada em bolsa está cara e outros, barata.

Uma empresa pode ter dificuldade para refinanciar a sua dívida, por isso compara-se o endividamento com o fluxo de caixa livre, o chamado Ebitda. Mas não faz sentido avaliar o risco de solvência de um país comparando o estoque da sua dívida com a sua renda hoje, dado que um país que emite sua moeda não corre risco de iliquidez. A dívida pública em moeda nacional deve ser comparada com o VPR da renda nacional.

Países, assim como civilizações, podem desaparecer, mas vamos simplificar e supor que os países tenham vida longa, em particular que o Brasil, posto que não é chama, seja eterno. O VPR do Brasil deve ser calculado redescontando o fluxo infinito dos PIBs futuros pela taxa de juros esperada daqui para frente. Supondo uma taxa de juros real de 2% ao ano, mesmo que o PIB brasileiro nunca mais crescesse, o VPR do Brasil seria 50 vezes o PIB de hoje.

3 de 5 Jason Furman, ex-presidente do Conselho Econômico de Obama, diz que nunca mais deixará de se sentir culpado por ter usado o conceito de dívida/PIB por tantos anos — Foto: Andrew Harrer/Bloomberg

Jason Furman, ex-presidente do Conselho Econômico de Obama, diz que nunca mais deixará de se sentir culpado por ter usado o conceito de dívida/PIB por tantos anos — Foto: Andrew Harrer/Bloomberg

Usando-se a dívida bruta do Tesouro, conceito inadequado como veremos à frente, mas o favorito dos novos “Beatos Salus” do fiscalismo, a dívida que é hoje 85% do PIB é apenas 1/50 de 85%, ou seja 1,7% do VPR da renda do país. Se supusermos que o país volte a crescer, a dívida torna-se ainda mais insignificante quando comparada ao VPR da renda. Se a taxa de crescimento for maior do que a taxa de juros, a dívida, mesmo como proporção do PIB, irá se reduzir sistematicamente se não houver déficit primários excessivos.

Supor que o país possa ter um crescimento superior à taxa de juros da dívida é uma hipótese mais do que razoável, se conseguirmos nos livrar da camisa de força ideológica do equilíbrio fiscal e se o Banco Central não se curvar aos apelos dos economistas do mercado para elevar a taxa de juros.

O cálculo do VPR da renda do país é um exercício intelectual para calcular um indicador coerente, que compare estoque com estoque, mas dada a enorme variância no seu valor, dependendo das hipóteses utilizadas, tem pouca utilidade prática. Como sustentam Furman e Summers, o indicador mais relevante é o que compara fluxo com fluxo, ou seja, o serviço da dívida com o PIB. Assim como ao examinar a viabilidade de assumir um financiamento de longo prazo, deve-se verificar se o valor das parcelas é compatível com a renda, a comparação relevante para a avaliação do endividamento público é entre o serviço da dívida e a renda nacional.

Enquanto houver capacidade ociosa e desemprego, o investimento público não concorre com o investimento privado

No Brasil de hoje, com a taxa real de juros abaixo de 2% e a dívida bruta perto de 85% do PIB, o serviço da dívida é de apenas 1,7% do PIB, muito abaixo do que era até recentemente, quando a dívida era menor, mas o juro muito mais elevado. Em toda parte do mundo, com as taxas de juros muito baixas, o serviço da dívida é hoje pouco oneroso.

A ideia do VPR do PIB chama atenção para um ponto fundamental e pouco compreendido: o que ancora a moeda fiduciária é a percepção de perenidade do Estado. É o fato de que o Estado estará sempre lá para aceitar seus títulos para pagamento de impostos que dá credibilidade e aceitação à moeda. Essa é a tese do economista alemão Georg Knapp (1842-1926), que, no início do século XX, foi reinterpretada pela moderna Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP). A diferença é que a TFNP dá mais importância à solvência financeira do Estado, enquanto Knapp ressalta a estabilidade política-institucional do Estado.

Todo o espaço para a emissão de moeda e de dívida, sem provocar a inflação, se evapora quando o Estado ameaça se desorganizar. O fato de que quando o Estado caminha para o colapso político-institucional, ainda que com baixo nível de endividamento, a moeda perde credibilidade e a inflação se acelera é evidência clara a favor do Cartalismo de Knapp.

4 de 5 Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional e professor da Universidade de Harvard — Foto: Bloomberg

Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional e professor da Universidade de Harvard — Foto: Bloomberg

Voltemos a Furman e Summers. Reconhecido o equívoco de se utilizar a relação dívida/PIB como indicador da saúde fiscal e da sustentabilidade da dívida, eles concluem que é preciso praticar uma política fiscal agressivamente expansionista. Numa flagrante reversão da tese da “austeridade expansionista”, defendida por alguns deles depois da crise de 2008, concluem que a política fiscal expansionista em períodos de recessão não aumenta, mas sim reduz a relação dívida/PIB.

Reconhecem que investimentos públicos se pagam e hoje são altamente necessários. Bernanke, nos seus comentários, sustenta que os investimentos públicos, em infraestrutura, saúde, educação, energia limpa e pesquisa, têm atualmente retorno muito mais elevado do que os investimentos privados. Em artigo recente, na mesma linha, argumentei que no mundo de hoje existe um excesso de oferta de bens materiais e de serviços privados e uma insuficiência de serviços e bens públicos.

No dia seguinte ao seminário da Brookings, participei, com Luiz Carlos Bresser-Pereira, Nelson Marconi, Monica de Bolle e Manoel Pires, de um painel sobre o investimento público e a retomada do crescimento no Fórum de Economia da FGV-SP. Bresser-Pereira e Marconi apresentaram uma proposta para elevar o investimento público no Brasil para 5% do PIB i. Na década de 1970 a taxa de investimento público foi em média quase 8% ao ano. Desde então, está em queda, até chegar a menos de 2% nos últimos anos e caminha para ser zero, se o teto dos gastos e o aumento das despesas correntes forem mantidos. Partem da premissa incontestável de que o crescimento depende do investimento. Sustentam que o investimento público é indispensável e complementar ao investimento privado.

5 de 5 Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI, repercutiu no Twitter a conclusão do seminário de que estamos diante de uma mudança de paradigma — Foto: Andrew Harrer/Bloomberg

Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI, repercutiu no Twitter a conclusão do seminário de que estamos diante de uma mudança de paradigma — Foto: Andrew Harrer/Bloomberg

Enquanto houver capacidade ociosa e desemprego, o investimento público não concorre com o investimento privado. Ao contrário, se bem conduzido, restrito à expansão de bens e serviços públicos, sem invadir setores onde o investimento privado dá conta do recado, aumenta a produtividade da economia e o bem-estar social.

Na mesma linha de Furman e Summers, argumentam que, como o investimento público de qualidade depende de planejamento e de projetos que tomam tempo, o Estado deveria ter sempre uma carteira de investimentos aprovados, que seriam executados de acordo com a necessidade e a capacidade da economia. A velocidade de execução seria calibrada para evitar tanto a recessão e o desemprego quanto as pressões inflacionárias e o desequilíbrio nas contas externas.

Em consonância com o que propus, em artigo neste mesmo Valor no ano passado, sugerem a criação de uma agência com competência técnica para avaliar os investimentos e a velocidade adequada de sua execução. A política monetária é incapaz de estimular a economia quando a taxa de juros já está muito baixa. A insistência numa política monetária expansionista, perto do limite inferior dos juros, corre risco de provocar um excesso de euforia nos mercados financeiros, sem qualquer efeito sobre a demanda agregada e o nível de atividade.

Com a guinada dos cardeais da metrópole, ficará difícil explicar a insistência de nossos economistas ortodoxos no mantra fiscalista

Essa é a razão pela qual uma agência competente de investimentos públicos é hoje tão ou mais importante do que o Banco Central. As políticas monetárias e fiscal são indissociáveis, não podem ser conduzidas de formas independentes e muitas vezes contraditórias. Bresser-Pereira e Marconi propõem que o Conselho Monetário Nacional, à semelhança do que faz o Copom em relação à taxa de juros, de acordo com a sua avaliação da economia e das pressões de demanda, defina o ritmo dos investimentos públicos.

A governança dos órgãos responsáveis pela avaliação da qualidade dos investimentos e pelo ritmo de sua execução é uma questão da mais alta relevância e merece estudo cuidadoso. É preciso encontrar um equilíbrio delicado, um desenho institucional que evite tanto pressões políticas ilegítimas quanto a arrogância tecnocrática.

A governança das políticas monetária e fiscal é um tema complexo e politicamente sensível. É preocupação com pressões políticas ilegítimas que explica a resistência de aceitar o que é uma constatação lógica irrefutável: o Estado que emite sua moeda fiduciária não tem restrição financeira. A moeda fiduciária é um passivo do Banco Central, portanto uma dívida do Estado, assim como os títulos do Tesouro.

A moeda fiduciária é apenas um título de dívida do Estado, emitido pelo Banco Central, que não paga juros e não tem prazo de vencimento, é uma perpetuidade. A distinção entre moeda e dívida pública perdeu sentido com o fim do padrão-ouro. O desenvolvimento dos mercados financeiros deu aos títulos de dívida pública uma liquidez quase perfeita, indistinguível da moeda. É possível comprar e vender dívida pública no mercado quase que instantaneamente.

A taxa de juros próxima de zero na dívida foi o golpe final na distinção entre moeda e dívida. Hoje, moeda e dívida são perfeitamente líquidas e praticamente não pagam juros. Quando o Estado gasta, credita necessariamente moeda em quem recebe do Estado. A decisão de obrigar o Estado a compensar a moeda emitida - creditada seria um termo mais adequado, dado que a moeda é quase que integralmente eletrônica - com a arrecadação de impostos é uma restrição institucional.

Uma restrição que deixa de fazer sentido quando se entende que o espaço para a emissão de moeda e dívida é muito maior do que se supunha. Foi o que o demonstrou de forma incontestável o experimento do QE. Como lembrou Bernanke, autor intelectual e executor do QE, no debate da Brookings, o mesmo experimento já vinha sendo posto em prática no Japão, desde o início do século, sem pressionar a inflação. Quando há insuficiência de demanda agregada, capacidade ociosa e desemprego, o Estado pode e deve gastar, emitindo uma combinação de moeda e dívida, sem se preocupar com o equilíbrio fiscal ou com o aumento da relação dívida/PIB. A responsabilidade fiscal e a disciplina orçamentária devem ser reinterpretadas como a busca da qualidade do gasto, da eficiência na operação do Estado.

Trocar ideias e discutir propostas, como tive a oportunidade de fazer no Fórum da FGV-SP, me pareceu um sopro de ar fresco no ambiente dogmático e raivoso com que tenho me deparado desde que passei a sustentar que o consenso macroeconômico convencional estava equivocado. Tenho me esforçado para entender as razões de uma tal falta de abertura mental de nossos economistas ortodoxos, hoje em grande parte associados ao mercado financeiro.

Resisto a aceitar que se trate de mera defesa de interesses, ainda que inconsciente. Parece-me mais uma combinação de um arraigado colonialismo intelectual, com o temor da perda do prestígio e da influência que adquiriram nas últimas décadas. Agora, com a guinada dos cardeais da metrópole, ficará difícil explicar a insistência no mantra fiscalista.

Pode-se sempre argumentar, parafraseando um ex-banqueiro central canadense a respeito da aposentadoria da Teoria Quantitativa da Moeda, que “não fomos nós que abandonamos o fiscalismo, foi o fiscalismo que nos abandonou”. Seja lá o que isso quer dizer. Com certeza, irão apelar para a tese da “jabuticaba”, que o Brasil é diferente, o que vale para os países avançados não vale aqui, um país que tem um histórico de inflação, que não emite uma moeda reserva, onde impera a irresponsabilidade política.

A moeda reserva faz realmente diferença para os países que têm déficits recorrentes nas contas externas e dívida externa. Foi o caso do Brasil na segunda metade do século passado. Obrigado a se financiar no exterior em moeda estrangeira, para compensar o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos, o Brasil passou por graves crises todas as vezes que viu o crédito externo ser bruscamente interrompido.

Se emitisse moeda reserva, como os EUA e a União Europeia, não teria tido problemas. Hoje, o Brasil é autossuficiente em petróleo e trigo, tem um setor agropecuário altamente superavitário, a conta corrente caminha para o equilíbrio e o país acumulou o equivalente a mais de 30% do PIB em reservas internacionais. A atual dívida pública brasileira não sofre do que a literatura econômica chama do “pecado original”, o fato de ser uma dívida com estrangeiros, denominada numa moeda que o país não emite. A dívida pública brasileira hoje é do Estado com brasileiros e denominada em moeda nacional. O aumento da dívida e da taxa de juros tem, sim, efeitos redistributivos perversos, mas essa é uma outra história. Fica para uma próxima oportunidade.

Quando o Tesouro anuncia o maior déficit nominal da história, quando a relação dívida/PIB atinge o seu mais alto nível e o coro dos que anunciam a hecatombe final se intensifica, o Brasil acaba de fazer uma emissão externa de dívida pública, desnecessária por sinal, à menor taxa de todos os tempos. A cotação do dólar cai e a bolsa sobe, mas os fiscalistas insistem que vamos para o abismo se o teto dos gastos for desrespeitado e o Banco Central não subir os juros. E os economistas se dizem cientistas que se baseiam na evidência empírica. Julgue por você mesmo, caro leitor.

1 Furman, Jason and Summers, Larry "A Reconsideration of Fiscal Policy in an Era of Low Interest Rates", presentation to the Hutchinson Center on Fiscal & Monetary Policy and Peterson Institute for International Economics - December 1, 2020

i Bresser-Perreira, L.C. e Marconi, N. "5% do PIB para o Investimento Público", mimeo, Nov. 2020

André Lara Resende é economista

 

Ibovespa dispara 1,88% e chega a 115 mil pontos; dólar recua a R$ 5,03

O Ibovespa disparou 1,88% na sessão desta quinta-feira (10), superando os 115 mil pontos pela primeira vez desde fevereiro, sustentado pelas altas nos preços do minério de ferro e do petróleo diante da expectativa de recuperação na demanda global pelas matérias-primas com o início das vacinações. Os preços do petróleo avançaram quase 3% hoje, com o Brent superando a marca de US$ 50 por barril pela primeira vez desde o início de março. Com o fechamento de hoje, o índice brasileiro reduz a sua perda anual para 0,45%. O volume financeiro do pregão somou R$ 39,6 bilhões.

“A descoberta da vacina tem sido um catalisador chave para o rali em ativos de mercados emergentes, com moedas e ações valorizando-se significativamente na segunda quinzena de novembro”, destacou a Oxford Economics, em relatório.

O fluxo de capital estrangeiro também deu suporte ao desempenho da Bolsa e, por outro lado, derrubou os juros futuros e a cotação do dólar, que encerrou o dia em queda de 2,63% e negociado a R$ 5,03 na venda, aproximando-se de testar o patamar psicológico dos R$ 5,00. Na sessão, o real foi, de longe, o maior destaque nos mercados globais de câmbio.

“O Brasil ainda está barato em dólar”, afirmou em entrevista à agência Reuters Rafael Ribeiro, analista da Clear. “Isso com certeza foi um dos pontos para o investidor estrangeiro olhar para o nosso mercado. Quando você tem uma sinalização positiva no avanço da agenda de reformas isso se reflete em aumento de fluxo para a bolsa, o que impacta o dólar”, completou.

A notícia de que o projeto de reforma tributária possa ser votado já na próxima semana trouxe alívio aos investidores, que entendem a votação da matéria como mais um passo na direção de ortodoxia fiscal, afastando movimentos de flexibilização ou furo no teto de gastos.

Em Wall Street, as perdas no Dow Jones (-0,23%) e no S&P 500 (-0,13%) foram limitadas pelo avanço das commodities, mas os índices não tiveram força para fechar em campo positivo após a divulgação de dados negativos sobre o mercado de trabalho norte-americano. Os novos pedidos de seguro desemprego vieram bem acima do esperado, para 853 mil solicitações na semana encerrada em 5 de dezembro, contra 716 mil pedidos na semana anterior.

A crise do mercado de trabalho colabora para a fraqueza da inflação: o índice de preços ao consumidor subiu 0,2% em novembro, após permanecer inalterado em outubro. No acumulado de 12 meses até novembro, a inflação avançou 1,2%. Os dados, divulgados nesta manhã, reforçam a necessidade de mais estímulos à economia. Democratas e republicanos ainda não chegaram a um acordo para o novo pacote fiscal, entre as principais divergências estão o socorro aos estados e municípios, além de uma proteção legal às empresas afetadas pela crise (Reuters, 11/12/20)

 

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