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05/04/2022
Emaranhado de problemas

Emaranhado de problemas

MPRS e CEEE Grupo Equatorial estão dispostos a resolver, de forma extra judicial, as reclamações cada vez mais frequentes envolvendo o fornecimento de energia

CORREIO DO POVO - 04 de Abril de 2022

Enquanto consumidores relatam falhas na prestação do serviço da CEEE Grupo Equatorial, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) está de acordo em resolver a questão de forma extrajudicial. São relatados pelo órgão a falta de informações e de atendimento à população por parte da concessionária, especialmente depois de situações climáticas adversas que volta e meia prejudicam o abastecimento de energia elétrica. Um exemplo foi o temporal dos últimos dias 6 e 7 de março. Parte da população da Capital ficou dias sem luz, potencializando a indignação.

O processo em questão por parte do MPRS também é motivado, em parte, pelo último levantamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), divulgado no mês passado, mostrando que a CEEE se mantém desde 2017 como a última colocada no ranking de qualidade do serviço entre todas as concessionárias de grande porte do Brasil, com 400 mil consumidores ou mais. Ou seja, conforme reforça o Ministério Público, é o pior serviço do gênero do país.

Na Assembleia Legislativa, a Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado também acompanha o caso e liga a alegada má qualidade dos serviços com a privatização da antiga Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D), há exatamente um ano. Deputados buscam apoio para instalar uma CPI para investigar a companhia. Independentemente dos motivos, a Equatorial tem até o final deste ano para apresentar à Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs) os resultados com os quais se comprometeu a entregar, e relacionados às falhas detectadas desde fevereiro.

Atualmente, a investigação sobre a conduta da CEEE Grupo Equatorial está nas mãos da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Porto Alegre, cujo titular é o promotor de Justiça Rossano Biazus. "Já nos primeiros contatos que fizemos, percebemos que há realmente uma preocupação também por parte da empresa. E estamos compartilhando estas informações e solicitamos um relatório de fiscalização sobre as atividades da Equatorial nestes últimos tempos para poder termos um conhecimento mais preciso sobre o que está ocorrendo", afirma Biazus.

De acordo com ele, o objetivo é que haja um plano de melhoria, com investimentos "mais efetivos e uma prestação de serviço mais eficiente", afirma o promotor, reforçando que observou um aumento significativo no número de reclamações que chegaram até o Ministério Público. No último dia 14 de março, a Agergs notificou a CEEE Grupo Equatorial a se manifestar em até 15 dias sobre a entrega fora do prazo das informações solicitadas pela agência reguladora, relacionadas aos temporais do começo do mês passado, que deixaram quase 200 mil pontos desabastecidos no RS.

Após análise técnica do material, que foi entregue no prazo, a agência decidiria pela aplicação ou não de uma sanção à empresa. No dia 22 de março, a empresa foi chamada a participar de uma audiência pública com representantes das comissões de Economia, Finanças, Orçamento e do Mercosul (Cefor), e de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana (Cedecondh) da Câmara Municipal de Porto Alegre, que criou, inclusive, uma comissão especial para tratar dos problemas da luz.

DIFICULDADES. Tanto nas reuniões com o MPRS quanto na Câmara, a empresa admitiu as falhas, e se comprometeu a investir em equipamentos, digitalizar processos para agilizar os atendimentos, e incrementar as equipes, contratando pessoal. À reportagem, a CEEE Grupo Equatorial salientou que "após a posse da CEEE-D, em julho de 2021, não tem medido esforços para realizar melhorias em sua rede de distribuição". Disse ainda que as ações realizadas "demandam algum tempo para serem concluídas e percebidas como melhorias para os clientes". Em 2021, "já foram aplicados recursos em obras estruturantes nas cidades de Porto Alegre, São Lourenço, Turuçu, Santa Vitória do Palmar, Chuí, Jaguarão, Morro Redondo, Pelotas, Rio Grande, Pinheiro Machado, Piratini e São José do Norte", e que, para 2022, "estão previstos investimentos em projetos de novas subestações, expansão e melhoria de rede e manutenção".

Consumidores ficam seis dias com falta de luz

Os problemas enfrentados em Porto Alegre se repetem na Região Metropolitana. Em Alvorada, uma das lideranças da comunidade do bairro Jardim Porto Alegre, a contadora Vânia Ribeiro, 56 anos, conta que "qualquer chuva" deixa as famílias às escuras. "Dessa última vez, chegamos a ficar seis dias sem energia. Temos asilos aqui e idosos doentes, acamados. Muitos dependem de equipamentos de oxigênio. Não há mais como sustentar uma situação dessas. Não há equipes suficientes para atender a comunidade, o 0800 não funciona e o que parece é que não há o mínimo de estrutura para atender a população. Alguém precisa enxergar isso!" Vânia ainda reforça que a comunidade fica revoltada porque paga a conta de luz e não tem quando mais precisa. "É um descaso total. Donos de mercados perdendo os produtos, estragando dentro dos congeladores. Eletrodomésticos queimados com o dinheiro que o trabalhador passa o ano todo juntando de pouquinho em pouquinho. Quem vai pagar por isso? Estamos fazendo um abaixo-assinado para realizar uma audiência pública na semana que vem, onde esse debate deve ser retomado."

O comerciante e morador de Viamão, André Guedes, 42 anos, conta que os moradores do bairro Passo da Areia sempre sofreram com a precariedade e falta de manutenção da rede de energia elétrica, mas nunca tão grave como nos últimos tempos. "Com a questão das chuvas e os ventos fortes, os transformadores desarmam com frequência e os moradores do bairro chegam a ficar de dois a três dias sem energia, o que causa muitos transtornos. Já entramos com uma ação junto ao MP pedindo providências urgentes. Aqui é considerada uma zona rural e se não há energia elétrica, também não há abastecimento de água porque o motor não funciona para puxar água do poço, o que deixa a situação ainda mais crítica para as famílias que tem baixo poder aquisitivo."

Guedes conta que com frequência ocorrem quedas de luz. Uma audiência pública foi realizada na Câmara para tratar da questão da precariedade do serviço. "A Equatorial foi convidada a dar explicações e esclarecer dúvidas, mas não compareceu", diz ele. Amanhã terá nova audiência.

Prejuízos para agricultores e pecuaristas

A instabilidade no fornecimento de energia elétrica pela CEEE Equatorial vem trazendo transtornos e prejuízos a agricultores e pecuaristas de todo o Estado. Sindicatos rurais ligados à Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS) relatam quedas constantes, além de demora para reparos na rede e restabelecimento do serviço. De acordo com a Fetag-RS, a situação é mais crítica nos municípios da Metade Sul e da Fronteira-Oeste. Desde fevereiro, lideranças da entidade vêm cobrando soluções da direção da empresa, mas ainda não tiveram resultados.

Segundo o coordenador da Regional Sindical Sul da Fetag-RS, José Francisco de Almeida Peres, algumas localidades em sua área de abrangência chegam a enfrentar apagões de até 15 dias. "Em Morro Redondo, tem até uma brincadeira: molhou o chão, faltou energia elétrica", conta Peres, também presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pinheiro Machado. Além dos pecuaristas, que têm de recorrer à ordenha manual para a extração do leite, um dos segmentos mais afetados na região é a fumicultura, já que a secagem do tabaco é feita em estufas elétricas. Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bagé, Milton Brasil, o atendimento às propriedades rurais "não poderia estar pior". Coordenador da Regional Sindical Fronteira da Fetag-RS, que abrange 17 municípios, ele diz que em Bagé, Dom Pedrito e Lavras do Sul há falta de energia elétrica por até dois dias mesmo que não chova. "Já fizemos reuniões, mas não vimos nenhuma melhora, porque se registra a falta de energia e o pessoal não consegue atender", critica Brasil. Os mais prejudicados, afirma o dirigente, são os produtores de hortifrutigranjeiros, que utilizam câmaras frias.

O pecuarista Samuel Pinheiro Fischoeder, de Hulha Negra, calcula ter perdido em torno de 600 litros de leite após ficar três dias seguidos sem energia. Como em sua propriedade a ordenha é mecanizada, ele não pôde extrair o leite das vacas, e o produto que estava armazenado sob refrigeração acabou se deteriorando. Com os problemas frequentes e a falta de ordenhas, o produtor teme que os animais contraiam mastite bovina.

Moradores reclamam da demora na manutenção

Na Zona Sul do Estado as faltas de energia são constantes. Conforme o presidente da Associação dos Municípios da Zona Sul (Azonasul) e prefeito do Cerrito, Douglas Silveira, a entidade se reuniu com representantes da CEEE Equatorial, mas a situação segue inalterada. "Todos os 22 municípios que fazem parte da associação registram problemas de falta de energia com a Equatorial, principalmente nas zonas rurais", enfatiza. Ele conta que em Cerrito famílias chegaram a passar até oito dias sem luz.

Em Morro Redondo as comunidades também passam dias sem luz, principalmente na zona rural. O prefeito Rui Brizolara afirma que o principal problema é a demora no retorno da empresa quando há falta de energia. A cidade possui há muito tempo o Projeto São Pedro que leva luz diretamente da subestação para as comunidades de São Pedro e Santa Bernardina, que são os locais aonde mais falta luz na cidade. "Atualmente faz uma volta para chegar até essas localidades e poderia ir direto. A CEEE fez o projeto para colocar outra rede, mas ocorreu a privatização e o assunto ainda não entrou na pauta da Equatorial, que estava previsto para setembro de 21, mas até agora nada", lamenta. Brizolara confirma que tem cobrado, mas a empresa diz que não há nada projetado para a execução. "Sabemos que não vai resolver todos os problemas, mas ajuda."

A maior reclamação é a demora na reposição do fornecimento de energia. Tivemos pessoas que ficaram seis dias sem luz, o que acarreta problemas aos produtores de leite, por exemplo, pois o produto perde qualidade", observa. Ele conta que tem empresas que acabam cortando produtores de vender seus produtos, principalmente leite. "Na última quarta- feira, mesmo com o sol e sem vento, as pessoas me ligaram e reclamaram da falta de luz. Todas as semanas, em algum momento há falta de energia e a comunidade São Pedro é a mais afetada", confirma. No local, onde moram 54 famílias quilombolas, há aproximadamente 500 casas.

Brizolara relata que normalmente trata destes problemas diretamente quando viaja até Porto Alegre, que antes da privatização ligava para o gerente. "Agora não tenho quem ligar, cai em 0800 e muitas vezes não atende. Já houve casos em que a equipe passou pela frente da localidade com problema para atender outra. Eles não param, por não ter informação da CEEE que tem que arrumar outro ponto de energia. Sem a liberação da empresa o funcionário não pode arrumar", diz.

A falta de luz também atinge Pelotas. A produtora de fumo Cristiane Hartwig possui uma propriedade na Colônia Aliança. No local ela e família plantam fumo em aproximadamente seis hectares. "Sempre tem falta de luz e na última vez passou dos limites. Ocorreu um temporal, caiu poste, pegou fogo. Eles vieram arrumar a luz de todo mundo e ficou o nosso trajeto sem conserto", relata. Ela conta que o fumo perdeu em classe e peso, pois faltou energia para fazer a ventilação. "Ainda não comercializamos, mas pode se dizer que perdemos em torno de R$ 6 mil reais, só naquela estufa, mas ainda não calculamos o que perdemos também na questão do peso", observa Cristiane.

A produtora relata que ficou três dias sem luz e o vizinho mexeu no transformador tentando consertar. "No fim ficamos no total seis dias e meu vizinho nove sem luz, pois a funcionários da CEEE voltaram e mandaram desligar tudo e que voltariam no sábado. Por fim, só resolveram na noite de segunda-feira", lamenta.
Localização
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