16/03/2016
Consumidores e distribuidoras de energia elétrica do Brasil poderão dividir um prejuízo de 3,3 bilhões de reais com sobras de energia em 2016, conforme a recessão e o aumento das tarifas desde o ano passado reduziram o consumo e deixaram as concessionárias sobrecontratadas.
Essa seria a perda se for considerada a projeção da Abradee, associação que representa os investidores em distribuição, que apontou perspectiva de sobrecontratação de cerca de 3 mil megawatts em 2016.
A estimativa de perdas foi feita pelo consultor e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana, que apontou valor próximo ao calculado por outro especialista do setor de comercialização de energia, a pedido da Reuters.
As distribuidoras precisam comprar em leilões com anos de antecedência a energia para atender ao crescimento de seus mercados, o que fez com que fossem pegas no contrapé pelo recuo da demanda por energia em 2015 --o primeiro registrado no país desde 2009.
"Se o PIB neste ano se comportar como o Banco Central está prevendo, essa sobra de energia pode durar cinco anos... isso vai retomar muito devagar", afirmou Santana, que esteve na diretoria da Aneel entre 2005 e 2013.
As sobras de energia são vendidas no mercado spot, atualmente com preços em 31 reais por megawatt-hora, próximos do mínimo permitido pela regulação, devido à queda da demanda e às chuvas favoráveis nas áreas de hidrelétricas. O preço no spot representa cerca de um quinto dos valores dos contratos.
"A distribuidora está comprando a cerca de 165 reais (pelos contratos firmados anteriormente)... se considerar que ela vá liquidar isso a um preço médio de 40 reais por megawatt-hora no ano, é muito dinheiro (perdido)", disse Santana.
A legislação do setor elétrico prevê que sobrecontratações de até 105 por cento da demanda podem ter eventual custo repassado para o consumidor, sendo que a partir desse patamar o prejuízo é da distribuidora. A Abradee estima sobrecontratação de cerca de 107 por cento em 2016.
Dessa forma, a maior parte do custo com as sobras de energia, estimado em mais de 3 bilhões de reais este ano, recairia sobre o consumidor, que poderá ter valores repassados para sua conta no futuro dependendo de como evoluírem as negociações para reduzir o prejuízo.
NEGOCIAÇÕES EM ESTUDO
Santana elogiou as medidas em estudo pela Aneel para mitigar o excesso de contratação, por meio da negociação entre geradores e distribuidoras para adiar a entrada em operação de usinas.
"Se não fizer isso, vai aumentar o custo pro consumidor, porque as obras vão seguir e não vai ter carga... É uma iniciativa boa, só acho que ela tem que ser mais agressiva... podiam permitir às distribuidoras vender toda a sobra no mercado livre, como quiserem."
A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) está de olho na sobrecontratação das distribuidoras como uma oportunidade de comercializadoras comprarem energia para abastecer seus clientes em um mercado livre em franca expansão.
"A gente entende que é uma forma correta de reorganizar o mercado elétrico... é uma solução muito melhor para os consumidores do que as distribuidoras ficarem com essa energia represada", afirmou o presidente da Abraceel, Reginaldo Medeiros.
Ele disse que o mercado livre, no qual grandes consumidores negociam diretamente com geradores e comercializadoras, está com preços entre 120 e 130 reais por megawatt-hora para contratos de quatro anos, o que permitiria aos agentes desse segmento comprar as sobras das distribuidoras a preços mais atrativos que os praticados no mercado spot.
LONGA RETOMADA
Segundo Santana, as mudanças de hábitos dos consumidores associada à forte elevação das tarifas em 2015 e atual crise econômica podem resultar na manutenção de um cenário de preços spot da energia "baixíssimos" em 2017 e 2018, devido às sobras de energia.
Santana lembrou que depois do racionamento pelo qual o Brasil passou em 2001 e 2002, devido à falta de capacidade de geração para atender a demanda, o consumo só retomou o patamar anterior em 2010, uma vez que as pessoas ganham novos hábitos de uso da energia.
Além disso, ele apontou uma perspectiva de que as tarifas reguladas continuem elevadas nos próximos anos, o que vai ajudar a frear a demanda (Reuters, 15/3/16)