05/04/2016
Por Antonio Machado
Dilma levou a economia à recessão, há retrocessos na educação e na saúde, o país volta à rabeira nos rankings globais. E Lula disse: “Não se conserta um país andando para trás”.
Decadência geral
“O Brasil sabe que não existe solução fora da democracia, que não se conserta um país andando para trás”, disse o ex-presidente Lula num vídeo dedicado às manifestações pró-governo da quinta-feira. O que ele disse é axiomático, apesar de o país sob o comando de Dilma Rousseff só ter andado para trás desde a sua eleição, em 2010.
Coincidentemente, no mesmo dia em que Lula voltava a praticar seus recursos retóricos para tentar reerguer no gogó o prestígio de uma presidente ameaçada de impeachment, soube-se de outra proeza de sua gestão desastrada - um golpe real, ao contrário do que ela acusa. O país perdeu o status de potência industrial em seu curto mandato. E “não se conserta um país andando para trás”, como Lula foi preciso.
A indústria manufatureira instalada no Brasil, que representa toda a cadeia produtiva de bens de consumo e bens de capital - de carros e autopeças a smartphones e seus componentes -, era ainda em 2010 a quinta mais competitiva do mundo, considerando-se os 40 países mais industrializados. China ocupava a liderança do ranking, seguida da Índia e EUA, conforme o Global Manufacturing Competitiveness Index, estudo da consultoria Deloitte, reunindo 12 índices de desempenho.
Em 2013, considerado o divisor entre a alta satisfação popular com o governo e o início da desaprovação social, marcada pelos enormes protestos de junho, também ficaram flagrantes os sinais de declínio da indústria. O setor fechou 2013 no 8º lugar do ranking mundial de competitividade. E atingiu agora em 2016 o fundo poço, ao desabar para a 29ª posição. Murchamos em apenas seis anos. E assim estamos.
China manteve a liderança, Índia também recuou, vindo para a 11ª posição (embora o governo pró-mercado do primeiro-ministro Narendra Modi já tenha retificado a trajetória industrial do país), e os EUA voltaram ao 2º lugar, deslocando Alemanha, Japão e Coréia do Sul, nessa ordem, investindo pesadamente em inovações industriais.
Rankings contam pouco, se vistos como fotografias estáticas de um momento. Mas, olhados em perspectiva, revelam tendências e ajudam a explicar processos de alta complexidade como o que estamos vivendo. É o que transparece a intuição de Lula, embora ele falasse do risco de retrocesso político, pois a regressão econômica já aconteceu.
A cegueira do timoneiro
A crise da economia global, associada à introdução de tecnologias em fase de maturação e novos modelos de negócios, foi aos poucos redesenhando a localização das cadeias produtivas em todo o mundo, de forma que vantagens competitivas que fizeram a fortuna da China, por exemplo - como mão-de-obra barata, protecionismo (tarifário, cambial, regulatório), dirigismo estatal e descaso ambiental -, são fatores cada vez menos estratégicos aos modelos de desenvolvimento.
O Brasil ficou alheio a essas transformações, além de a indústria ser penalizada por políticas econômicas que ora enfatizaram a moeda apreciada em meio ao aumento contínuo, a partir de 2004, dos custos de produção (tributários, regulatórios, salariais, de juros), ora a expansão do consumo à revelia da competitividade cadente das linhas industriais. A consequência foi o definhamento da produção nativa.
Antigos e cumulativos, tais problemas implicaram a reconversão da manufatura brasileira de centro de desenvolvimento global, além de plataforma de exportação de grupos multinacionais (como era o caso do setor automotivo), para o de mera montadora, rebaixada a copiar processos e inovações já defasados nos mercados mais dinâmicos.
Sem preparo nem talento
Faltaram a Dilma conhecimento específico e talento para pelo menos tentar apurar o que acontecia. Ignorou as mudanças em nível global, e a indústria afundou. E não só, já que retrocessos são constatados em várias áreas.
Na educação, por exemplo, o Brasil é o 2º entre 64 países com mais alunos com baixo desempenho, na pesquisa regular da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
No ranking de sistemas nacionais de saúde pesquisado em 2015 pela Bloomberg, o Brasil é o último da lista de 55 países avaliados pelo critério de expectativa de vida vis-à-vis o custo, de acordo com o economista Victor Gomes, da UNB. Gastamos em torno de 9% do PIB com saúde, quase tanto quanto na Europa, diz, mas o tempo médio de vida (74 anos) é o sexto menor entre os países pesquisados.
Não há nada bom à vista
Não há nada bom à vista, nem a recuperação do superávit nas contas externas nem o viés de desinflação, pois decorrentes da recessão da economia, que segue caindo, e, ao se estabilizar, demorará a voltar ao nível da década passada. E será mais demorado quanto mais longe estiver o desfecho da crise política, que depende não só da mudança ou não de governo, mas das condições do que virá a seguir.
A impressão é que governo, Congresso e analistas não se deram bem conta da complexidade da crise que passamos. Ela não é só política.
Para amanhã ser melhor
Seja qual for o resultado da crise – Dilma salva o mandato; o vice Michel Temer assume, se ela for impedida; eleições em 90 dias, caso ambos sejam impugnados -, só há uma chance de amanhã ser melhor do que hoje: a aplicação imediata de um plano para recuperar as contas fiscais e reaver a confiança.
O que exigir discussão num Congresso viciado, com vários parlamentares sob o risco de cassação devido à Lava Jato, condenará a nova gestão ao fracasso. Será tudo ou nada.
Ao lado da urgência de equilíbrio orçamentário, destaca-se outra: a identificação de novas fontes de crescimento econômico, caso não haja (e não haverá) outra bolha de commodities. Também se descartam mais expansão fiscal e do crédito ao consumo, ideias que só existem em planos capengas. E aumento de impostos? Sempre se pode arriscar. Mas a taxa efetiva das empresas é a quinta maior do mundo e onerar a renda das famílias em plena recessão é sandice.
Che facciamo? (Cidade Biz, 5/4/16)