27/06/2016
O governo federal só tem R$ 13 bilhões a receber do BNDES até 2018 pelos empréstimos que fez ao banco de fomento entre 2008 e 2014.
O valor está abaixo dos R$ 100 bilhões que o governo do presidente interino, Michel Temer, pretende receber antecipadamente da instituição para tentar melhorar as contas públicas.
Segundo o BNDES, os contratos preveem o pagamento de R$ 28 bilhões até 2018, dos quais R$ 15 bilhões já foram pagos neste ano. Os dados foram revelados à Folha pelo BNDES após questionamento. O banco informou ainda que analisa se a antecipação é juridicamente possível.
Pela proposta do governo, o Tesouro receberia R$ 40 bilhões neste ano, R$ 30 bilhões em 2017 e R$ 30 bilhões em 2018.
ENTENDA O CASO
Entre 2008 e 2014, o governo federal emprestou ao BNDES cerca de R$ 450 bilhões para que o banco pudesse injetar esse dinheiro na economia por meio de empréstimos subsidiados a empresas. Ao longo dos anos, foram dezenas de contratos e renegociações entre ambos.
No mais recente boletim sobre o tema, publicado em fevereiro, o BNDES informou que, após quitar parte dos juros e principal das dívidas, ainda deve ao governo R$ 513,6 bilhões em valores corrigidos pela inflação.
De acordo com levantamento feito pela reportagem, nos 23 contratos firmados entre o Tesouro Nacional e o BNDES, o banco teria de começar a devolver 89% do dinheiro que ainda tem a pagar ao governo apenas a partir de 2019 e em prestações que vão até março de 2060.
Essa dívida não é a mesma que levou às chamadas pedaladas fiscais. Nessa, o governo é que tinha de repassar ao banco dinheiro referente ao subsídio que o BNDES aplicava em empréstimos, ao dar crédito a empresas com juros abaixo dos de mercado. O governo atrasou essa compensação por anos, ficando com até R$ 20 bilhões em dívidas.
PRAZOS DISTINTOS
Há três tipos de contrato entre o governo e o banco, no que se refere aos prazos de pagamento. Um primeiro tipo, em que não há carência: o BNDES paga prestações em prazo "perpétuo", ou seja, sem prazo limite definido. Esses contratos somam R$ 36,6 bilhões em saldos a pagar ao governo.
Num segundo tipo de contrato, a carência para pagar o principal e os juros do empréstimo acaba até maio de 2017. Nesses, o banco tem ainda uma dívida com o governo de R$ 22,3 bilhões.
No terceiro tipo, que concentra a maioria da dívida, o pagamento de juros e do principal só precisa começar a partir de dezembro de 2019. Nesses 13 contratos, o BNDES teria a pagar ao governo, em valores de hoje, R$ 454,7 bilhões.
De acordo com os contratos assinados, o pagamento após os prazos de carência é mensal. No maior contrato do banco com o Tesouro, em que a dívida hoje chega a R$ 200,7 bilhões, o banco só começaria a pagar em março de 2020 e teria 40 anos para quitar a dívida.
ANTECIPAÇÃO
Esses contratos têm cláusula específica que abre a possibilidade de o BNDES quitar os empréstimos a qualquer momento. Mas isso não é vantagem para o banco, porque os juros pagos ao
governo são mais baixos do que os cobrados em seus empréstimos.
Para o governo, os R$ 100 bilhões a mais poderiam ser usados para abater a dívida bruta do setor público, já que o governo emitiu títulos da dívida para repassar recursos ao banco. A Fazenda quer estancar o crescimento da dívida pública, para melhorar a avaliação da capacidade de pagamento do país e, com isso, poder pagar juros menores.
O BNDES afirma que, apesar da desvantagem da antecipação, "a prioridade atualmente, do ponto de vista macroeconômico, é reduzir a trajetória ascendente da dívida bruta do setor público" como forma de retomar investimentos, crescimento e empregos.De acordo com o banco, os valores não afetam a atuação da instituição.
PENDÊNCIAS
A antecipação ainda está em negociação com o TCU (Tribunal de Contas da União). No entendimento do procurador do órgão, Julio Marcelo de Oliveira, o governo não poderia ter se endividado para emprestar ao banco, mas quitar o empréstimo seria legal, já que teria o efeito justamente de acabar com essa irregularidade.
Técnicos e ministros do órgão têm entendimento diferente. Para eles, antecipar esses créditos pode configurar financiamento de banco público ao governo, o que levou o TCU a dar parecer pela reprovação das contas da presidente afastada, Dilma Rousseff, referentes ao ano de 2014. Um processo específico analisa a legalidade da situação das contas (Folha de S.Paulo, 26/6/16)