No Sudeste/Centro-Oeste recuo em relação ao ano anterior ficou na casa dos vinte pontos percentuais
PEDRO AURÉLIO TEIXEIRA, DA AGÊNCIA CANALENERGIA
Os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste encerraram o mês de agosto com volume de 21,3%. Há um ano, os níveis estavam em 42,3%. A queda de mais de 20 pontos percentuais na comparação com agosto de 2020 escancara a má situação da hidrologia no auge do período seco, que acabou por culminar em ações tomadas pelo governo, como a criação do bônus por redução de consumo e a da bandeira de escassez hídrica, estabelecida pela Agência Nacional de Energia Elétrica. A usina de Furnas, que operava com 49,2% no ano passado, agora está com 17,35%.
Na região Nordeste, a queda em um ano não foi menos impactante. O volume operativo de 75,6% registrado em agosto de 2020 se esvaiu para 49,3% esse ano. Sobradinho tinha 74,93% no ano passado e esse ano opera com 47,81%
Os níveis na região Norte, atualmente em 70,3%, apresentaram leve subida , já que no ano anterior estavam em 68%. A hidrelétrica de Tucuruí registra volume de 87,82%, enquanto em 2020 tinha 77,10%.
O Sul teve a queda mais acentuada em agosto na comparação com o ano anterior. Em 2020, os reservatórios operavam com 63% no período e este ano terminaram o mês com apenas 27,6%. A UHE Passo Real, que no ano passado operava com 87,58%, despencou para 43,82%.
Enquanto grandes consumidores avaliam como positiva as medidas do governo no enfrentamento da crise, segmento cativo entende que a conta fica para o consumidor
O programa de bônus para quem reduz o consumo de energia coloca entidades em lados opostos. Enquanto os grandes consumidores de energia avaliam como positiva as medidas que o governo federal vem tomando para o enfrentamento da crise hídrica sem precedentes, o segmento que representa o mercado cativo não enxerga os benefícios. E mais, acredita que no final das contas o bônus embutido nos Encargos de Serviço do Sistema (ESS) e a perda de receita das distribuidoras – pagos pelo consumidor – praticamente anulam os ganhos com a redução de consumo.
A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) reconhece o esforço que o Ministério de Minas e Energia (MME) tem feito para reduzir o impacto do consumo de energia, principalmente nos momentos de pico. O gerente de Energia Elétrica da Abrace, Victor Iocca, diz que ainda não dá para saber se as empresas vão reduzir a demanda ou deslocar a produção para fora do horário de pico, mas ele avalia que esse segmento tem grande potencial de ajudar o sistema.
“O programa que o ministério ofereceu foi muito positivo no sentido de simplificar as regras e permitir que muitos consumidores que estão no mercado livre contribuam nesse momento de estresse até dezembro”, avalia.
Pelas regras, o consumidor poderá fazer uma oferta de redução de consumo de duração horária de 4 a 7 horas e com lotes mínimos de 5 megawatts (MW) para cada hora de duração da oferta. O foco do MME é o horário de pico, entre 12h e 18h em dias úteis.
Mercado regulado
Uma polêmica que se colocou é que a bonificação oferecida ao consumidor cativo é feita via ESS, que em última análise é pago pelo próprio consumidor. A Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) entende que os custos da tarifa superam o bônus ao consumidor. O presidente da entidade, Carlos Faria, lembra que assim foi na pandemia, em que todos pagaram a Conta-Covid, em que foi dado um crédito emergencial a distribuidoras de energia.
Entretanto, surgiu a proposta de que o Tesouro aportasse essa bonificação, passando os custos do consumidor para o contribuinte. Faria, por sua vez, aponta uma terceira via. “Não deveria ser pago integralmente pelo consumidor, todos deveriam fazer parte dos esforços e ajudar a pagar essa conta”, diz.
Sobre a proposta do governo em relação ao programa de Resposta da Demanda, a opinião do executivo é diferente e ele avalia como positiva “a possibilidade de se contribuir com a redução da demanda”. Hoje a Anace representa entre seus associados cerca de 10 mil MW médios e apesar de não ter consumidores eletrointensivos, muitos deles são ligados à rede básica, mas estão de olho no Programa de Redução Voluntária da Demanda.
Já para o especialista em regulação energética da Mercurio Trading, Eduardo Faria, o bônus que o governo ofereceu compensa os custos da bandeira, já que o consumidor que economizar 10% ou mais terá um bônus de R$ 50 por 100KWh pela redução, enquanto o aumento pela bandeira “Escassez Hídrica” é de 14,20 R$ /100KWh no total consumido.
“Qualquer programa que envolva uma redução da demanda sem afetar significativamente a economia é positivo. Se o consumidor consegue economizar dentro de casa ou no seu negócio, apenas com uso racional da energia sem desperdícios, impacta positivamente o sistema”, diz.
Receita das distribuidoras
Com uma possível queda no consumo de energia, se desenha uma perda de receita das distribuidoras que será repassada aos consumidores. Isso somado aos custos das bandeiras, segundo o coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Clauber Leite, pode inviabilizar os ganhos da bonificação.
“A concessionária declara uma expectativa de receita que não se cumpre e ela alega que é uma redução involuntária e não foi por conta do mercado e por isso ela tem que ser remunerada, já que ela tem contratos com as geradoras que precisam ser cumpridos”, lembra.
A análise de Leite encontra respaldo na Resolução Nº 2, que instituiu o Programa de Incentivo à Redução Voluntária do Consumo de Energia Elétrica. O texto diz que “deve ser mantido o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e permissão do serviço público de distribuição energia elétrica, cabendo à Aneel avaliar eventuais solicitações de recomposição, fundamentadas pelo interessado, na forma do respectivo contrato de concessão ou permissão e da legislação aplicável, decorrente do Programa de Incentivo à Redução Voluntária do Consumo de Energia Elétrica”.
Uma situação parecida aconteceu em 2001, quando houve uma redução da demanda, mas o consumidor teve que arcar com a perda de receita das distribuidoras. Por outro lado, o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee), Marcos Madureira, justifica que é legítimo que as concessionárias sejam compensadas, já que os custos para prestação de serviço destas empresas continuam os mesmos.
“É claro que terá essa queda. As distribuidoras têm contratos de compra de energia e os custos não se reduzem. As empresas continuam prestando o mesmo serviço e só a receita reduz e para que ela continue prestando o mesmo serviço é necessário que haja uma neutralidade em relação a perda de receita”, defende.
Para Madureira, cabe às distribuidoras apenas operacionalizar essa medida, como efetuar os cálculos que o consumidor vai ter e informar.
Falta de comunicação
Uma das poucas coisas que os envolvidos concordam é que que faltou mais comunicação por parte do governo em esclarecer a gravidade da situação e como todos podem contribuir mais ativamente para evitar o pior. Para Eduardo Faria, da Mercurio Trading, as medidas são positivas, mas “poderiam ter ocorrido antes também uma campanha menos tímida e mais abrangente de uso racional e economia de energia”.
Victor Iocca, da Abrace, segue na mesma linha de raciocínio. Para ele, “é fundamental o governo dar o exemplo e os consumidores entenderem que se não houver essa redução expressiva de consumo, as medidas terão que ser mais duras”.
Para Carlos Faria, “o governo peca quando deixa de comunicar ao consumidor que o problema é sério e que ele precisa, de fato, reduzir o consumo”, diz. Já Clauber Leite, do Idec, toca num ponto específico sobre como ainda falta explicar ao consumidor que será ele mesmo que custeará a bonificação. “Esse bônus virá de Encargos de Serviços do Sistema (ESS) e indiretamente vai estar aumentando a tarifa. Precisa de uma transparência dos cálculos”.
Por Raphael Di Cunto — De Brasília
Após duas semanas de costuras nos bastidores, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), consolidou o voto favorável de parlamentares do Centrão e fechou acordo com os partidos de oposição para aprovar a reforma do Imposto de Renda. O acerto, que abre caminho para viabilizar a fonte de receita que permitirá reformular o Bolsa Família, envolveu criar taxação sobre lucros e dividendos e reduzir menos o imposto sobre o lucro das empresas. O texto-base da proposta foi aprovado por 398 votos a 77.
Por Marsílea Gombata, Marta Watanabe e Anaïs Fernandes — De São Paulo
Com queda de 0,2% no PIB do segundo trimestre de 2021, após alta de 0,7% de janeiro a março, a indústria tem perspectiva nebulosa para o segundo semestre. Gargalos com a falta de insumos e suprimentos devem ainda ser obstáculo à produção, ao mesmo tempo em que parte da demanda do consumo das famílias pode passar a ser deslocada para serviços. Para agravar o cenário já difícil, a crise hídrica e o impacto nas tarifas de energia elétrica devem elevar custos já pressionados pelo avanço de preços de matérias-primas.
Por Roberto Rockmann, Para o Valor
Engenharia, logística – com destaque em portos – e saneamento são as três principais áreas de investimentos chineses no Brasil na área de infraestrutura, fora os segmentos de energia elétrica e óleo e gás. A principal presença de empresa chinesa em infraestrutura no Brasil é a gigante China Communications Construction Company (CCCC), que em 2016 adquiriu por R$ 350 milhões o controle da Concremat.
A aquisição permitiu ao conglomerado chinês, com negócios em infraestrutura, equipamentos pesados e serviços de dragagem, fincar uma posição relevante no mercado de engenharia e construção, que desde a Operação Lava-Jato em 2014 tem mudado de configuração. Endividadas e envolvidas no escândalo, as grandes construtoras brasileiras perderam participação, reduzindo a barreira natural de ingresso de grupos estrangeiros no setor. A participação estratégica poderá impulsionar o avanço chinês em máquinas, projetos e engenharia, três segmentos que historicamente sempre foram ligados a empresas brasileiras, europeias e americanas.
Com o ingresso na Concremat, a CCCC tem buscado também novos negócios no Brasil. Um dos principais foi a conquista da Parceria Público-Privada (PPP) para a construção da ponte entre Salvador e Ilha de Itaparica no Estado da Bahia. O consórcio formado pelos grupos chineses CCCC e CR20 (China Railway 20 Bureau Group) foi o vencedor do leilão, realizado em 2019, na sede da B3, para construção e operação do projeto, cujo valor total do contrato é de R$ 7,6 bilhões. O prazo de concessão é de 35 anos.
O empreendimento terá 12,4 quilômetros de extensão e se constituirá na maior ponte deste tipo da América Latina, superando a ponte Rio-Niterói. A estrutura ocupará a 23ª posição no ranking mundial de pontes. O contrato inclui ainda acessos viários em Salvador, com extensão de 4,6 quilômetros, nova rodovia expressa, a ser construída na Ilha de Itaparica, com 21,41 quilômetros, e recuperação e ampliação de trecho da rodovia BA-001. A Concremat será a líder do consórcio responsável pelas obras.
O projeto faz parte de um plano de desenvolvimento socioeconômico da Bahia, que estima a criação de cem mil postos de trabalho diretos e indiretos ao longo dos 35 anos de PPP. Cerca de 250 municípios serão beneficiados com a redução da distância em mais de 100 quilômetros e de 90 minutos no tempo de deslocamento até a capital baiana. Atualmente, a travessia para Itaparica é feita por ferryboat, no Terminal de São Joaquim, em Salvador, e por lanchas rápidas. Outra opção é usar a BR-324, sentido Recôncavo Baiano. Em abril, o governo da Bahia depositou R$ 250 milhões no Fundo Garantidor para a construção da ponte como parte do compromisso firmado no contrato, que prevê a implementação, nos próximos cinco anos, da PPP, que contemplará investimento de R$ 5,4 bilhões e aporte total do Estado de R$ 1,5 bilhão. “O projeto vai trazer forte impulso à economia de todo o Estado, encurtando distâncias e criando um novo eixo de desenvolvimento a partir de Salvador em direção ao oeste”, afirma o governador Rui Costa.
A CCCC também está em outro projeto de grande porte no setor de transportes: o porto São Luís, no Maranhão, projeto lançado em 2018, ainda no papel e cujo controle é da empresa chinesa. Quando totalmente implantado, o porto terá capacidade para movimentar até 20 milhões de toneladas por ano, mas a construção será em fases. Na primeira etapa, que deve estar pronta em quatro anos, haverá oferta para 15 milhões de toneladas. O terminal deverá estar ligado à ferrovia de Carajás e ao tramo superior da Ferrovia Norte-Sul.
Não é um investimento isolado chinês em terminais portuários no Brasil. Em 2018, a China Merchants Port Holding Company (CMPort), o maior e mais competitivo desenvolvedor, investidor e operador de portos públicos da China, adquiriu o controle do maior terminal de contêineres da América do Sul: o Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP). Nos primeiros seis meses deste ano, foram transportados 5,6 milhões de toneladas em contêineres pelo porto de Paranaguá nos dois sentidos de comércio – importação e exportação.
O volume é cerca de 12% maior que os cinco milhões de toneladas registrados no mesmo período de 2020. De exportação foram 2,97 milhões de toneladas de cargas embarcadas. De importação, 2,59 milhões de toneladas. O frango é o produto mais exportado em contêineres pelo terminal paranaense. De janeiro a junho, 875,87 mil toneladas saíram do porto de Paranaguá rumo ao mercado internacional. A China segue como o principal destino do frango exportado pelo TCP.
Em saneamento, os chineses também marcam presença. A PPP criada para construir e operar o sistema São Lourenço, para a prestação de serviços de operação e manutenção do sistema de desidratação, secagem e disposição final do lodo e de manutenção do sistema na região metropolitana de São Paulo, foi assumida em 2018 pela China Gezhouba Group Corporation (CGGC), através de sua subsidiária CGGC Construtora do Brasil, representando o primeiro investimento no Brasil. O sistema leva água da represa Cachoeira do França, em Ibiúna (SP), para a Estação de Tratamento de Água, em Vargem Grande Paulista (SP), percorrendo 83 quilômetros de tubulação até os municípios atendidos.
O grupo chinês chegou a analisar o leilão de concessão da Cedae, concessionária que atua no Rio de Janeiro, mas não participou do leilão em abril deste ano. O setor de saneamento completa em agosto um ano com a nova regulação, que busca atrair capital privado para a universalização dos serviços de água e esgoto.
Estudo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) aponta que o investimento total estimado para expansão da rede com o novo marco regulatório é de R$ 753 bilhões, sendo R$ 255 bilhões referentes à recuperação da depreciação das redes existentes. O trabalho da Abcon destaca que a cada 1 real investido em saneamento para extensão de redes, cerca de 76 centavos irão para a construção civil e 6 centavos para máquinas e equipamentos.
O secretário nacional de saneamento do Ministério do Desenvolvimento Regional, Pedro Maranhão, diz que o novo marco regulatório, sancionado pela Lei 14.026 de julho de 2020, já é uma realidade. “Há leis que pegam e não pegam no Brasil. Esta pegou. Desde o marco, já foram mais de R$ 69 bilhões em investimentos e outorgas”, afirma. Com o novo marco regulatório, os contratos serão obrigados a trazer metas de universalização. Cada projeto aprovado terá de levar água potável a 99% da população e garantir tratamento de esgoto para outros 90% até o fim de 2033.
Além de participar de concessão, PPPs e operação, em saneamento deverão ser criadas oportunidades em fornecimento de máquinas e equipamentos. Estudo preliminar do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com base em cinco projetos de concessão e PPP estruturados pelo banco e realizados nos últimos meses, aponta que apenas a demanda desses empreendimentos soma R$ 38 bilhões em investimentos, representando R$ 11 bilhões em encomendas para a indústria. Os projetos que embasaram o estudo são a concessão do Amapá, concessão dos três blocos da Cedae no Rio de Janeiro, a PPP de Cariacica (ES), concessão da região metropolitana de Alagoas e concessão na cidade de Porto Alegre (RS).
Após queda do PIB, crises política e hídrica ameaçam retomada
O resultado do PIB abaixo das estimativas do governo e do mercado financeiro acendeu o alerta sobre diversos riscos para a recuperação da economia em 2021. Entre eles, as crises hídrica, provocada por problemas climáticos, e político-institucional, alimentada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A economia brasileira encolheu 0,1% no segundo trimestre de 2021 em relação ao trimestre anterior, conforme dados do PIB (Produto Interno Bruto) divulgados nesta quarta-feira (1º) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam crescimento de 0,2%.
O resultado do trimestre já garante um crescimento em torno de 5% para o PIB de 2021 devido ao efeito estatístico, resultado influenciado pela base de comparação ruim de 2020. Para 2022, no entanto, analistas já esperam um crescimento abaixo de 2%, de volta ao ritmo fraco do final do governo Michel Temer e início da gestão Jair Bolsonaro.
Para o terceiro trimestre, as estimativas são de crescimento próximo de 0,5%. A partir do final de 2021, a economia voltaria a desacelerar.
Esses números reforçam a percepção dos economistas de que a economia continuará a se recuperar, mas em um ritmo insuficiente para baixar significativamente a taxa de desocupação, dentro daquilo que tem sido chamado de um PIB sem emprego.
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Além disso, o Brasil está saindo da crise sanitária provocada pela pandemia com juros e inflação em alta, risco de descontrole fiscal e incertezas de natureza política e econômica que travam o investimento. Há quem fale em estagflação (baixo crescimento com inflação em alta).
Os dados do IBGE também mostram uma recuperação desigual. A indústria e a agropecuária tiveram perdas no trimestre, mas continuam acima do patamar pré-crise. Os serviços cresceram nesses três meses, mas aquém do esperado e ainda estão abaixo do nível de atividade anterior à pandemia.
O país sofre ainda com o problema global de falta de insumos para a produção, que ajudou a derrubar a manufatura e os investimentos no segundo trimestre, problema que só deve ser resolvido em 2022.
A pesquisadora Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), avalia que os impactos negativos da crise hídrica e da tensão política já ficaram evidentes na economia no segundo trimestre.
De um lado, lembra Silvia, a seca prolongada aumentou os custos para empresas com a energia mais cara, elevou preços de tarifas de luz para consumidores e prejudicou a produção agropecuária.
Em conjunto, os fatores turbinam a inflação e ameaçam a retomada do consumo das famílias, um dos motores do crescimento econômico, enquanto o desemprego segue alto.
Se não bastasse isso, a turbulência política gera estresse adicional no mercado financeiro, o que eleva a taxa de câmbio e pressiona ainda mais a inflação.
“Na indústria, por exemplo, vários segmentos estão sofrendo com os custos elevados, além da falta de suprimentos. Já o consumidor diminui o consumo com o mercado de trabalho em dificuldades. E ainda há o impacto da inflação mais alta e o risco de falta de energia”, pontua Silvia.
Após a divulgação do PIB do segundo trimestre, o FGV Ibre reduziu a projeção de avanço da economia em 2021 de 5,2% para 4,9%. A estimativa para 2022 recuou de 1,6% para 1,5%.
A coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, afirma que, apesar dos programas de auxílio do governo, do aumento do crédito a pessoas físicas e da melhora no mercado de trabalho, a massa salarial real vem caindo, afetada negativamente pelo aumento da inflação.
“A inflação está aumentando no mundo todo. A gente adicionalmente aqui no Brasil está tendo esse problema da crise hídrica. Tudo isso influencia no consumo das famílias para não ter voltado ao nível pré-pandemia”, diz Rebeca.
Em nota, o Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) afirma que os números são o resultado do atraso da vacinação e da piora da pandemia, em um ambiente de alto desemprego, aceleração inflacionária e persistente desarranjo das cadeias produtivas, que continua impondo gargalos na obtenção de insumos. “Os ruídos na esfera política, ao introjetar incertezas na economia, também cobraram seu preço.”
Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity, afirma que os dados do trimestre passado refletem principalmente a piora nos números relacionados à pandemia e que a reabertura das atividades e o aumento nos indicadores de confiança apontam para resultados positivos no trimestre atual.
“O número do segundo trimestre não significa uma interrupção dessa tendência de curto prazo de retomada da economia”, afirma. “A questão é o médio prazo, o final deste ano e, principalmente, 2022. Aí a gente identifica riscos múltiplos que colocam maior ceticismo em relação à capacidade da economia de manter um ritmo de expansão robusto.”
Para ele, a alta da inflação coloca um viés de desaceleração no consumo das famílias nos próximos meses; e três fatores devem levar a uma acomodação no ritmo de crescimento dos investimentos: aumento dos juros, incerteza fiscal e crise energética.
Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, afirma que a variação negativa de 0,1% no segundo trimestre traz um “viés de baixa” para a projeção do banco, de alta do PIB de 5,7% neste ano.
Segundo ele, o setor de serviços tende a continuar no terreno positivo até o final do ano, já que reúne atividades que ainda estão em “patamares deprimidos”. Serviços que dependem da circulação de consumidores, como é o caso de alojamento e alimentação, fazem parte dessa lista.
Ele diz que a economia deve desacelerar especialmente em 2022. O Itaú estima avanço de 1,5% para o PIB do próximo ano.
Segundo Barbosa, pelo menos quatro fatores explicam a possível perda de gás. Um deles é o menor impulso de serviços após a reação estimada para 2021. Juros mais altos, desempenho inferior da economia global e política fiscal contracionista no país, mesmo com provável incremento nos desembolsos na área social, completam a lista. “A desaceleração de verdade vai ocorrer no ano que vem”, ressalta Barbosa.
Sobre a crise hídrica, os dados do IBGE mostram que o impacto na inflação contribuiu para travar o consumo das famílias e que empresas do setor já amargam resultados piores do que no início do ano. Na agropecuária, os efeitos devem aparecer de forma mais evidente ao longo do ano, embora já estejam afetando os resultados da lavoura.
“Na comparação interanual, [a agropecuária] está crescendo. Se não fossem os efeitos climáticos, poderia crescer mais. Já temos esse efeito sim”, afirma a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.
Em relação ao mesmo período do ano passado, o PIB cresceu 12,4%, resultado influenciado pela base de comparação, já que o período de abril a junho de 2020 foi o fundo do poço para a atividade econômica durante a pandemia. Nos últimos 12 meses, houve alta de 1,8%. Com esse resultado, a economia brasileira avançou 6,4% no primeiro semestre.
Segundo o IBGE, o PIB continua no patamar do período pré-pandemia e ainda está 3,2% abaixo do ponto mais alto da atividade econômica na série histórica, alcançado no primeiro trimestre de 2014.
O desempenho da economia no trimestre vem do resultado negativo da agropecuária (-2,8%) e da indústria (-0,2%). Por outro lado, os serviços avançaram 0,7% em relação ao primeiro trimestre.
A escassez de insumos é apontada como um dos fatores que explicam o recuo da indústria brasileira. Em razão da escassez de chips, montadoras chegaram a interromper linhas de produção no país. O setor automotivo espera que as paradas causadas por falta de insumos, em especial semicondutores, prossigam até o ano que vem.
Na comparação com o primeiro trimestre, houve queda de 7,8% na fabricação de carros de passeio, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões. As vendas acumulam alta de 3,4% entre os trimestres, mas com tendência de queda a partir de maio devido à falta de produtos para pronta entrega.
Em entrevista nesta quarta (1º), Antonio Filosa, presidente do grupo Stellantis (que reúne marcas como Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën), disse que a empresa busca alternativas para a escassez, mas que cada solução de emergência gera custos.
A montadora é a atual líder de mercado, com três produtos da marca Fiat ocupando as primeiras posições. Contudo há filas de espera que podem chegar a seis meses.
"Nacionalizamos motores para, por exemplo, nos proteger da volatilidade do dólar. Mas no caso dos semicondutores o problema é mais complexo, a produção é concentrada na Ásia", afirmou o executivo.
Filosa ainda acredita que o volume de vendas possa chegar a 2,35 milhões de unidades neste ano, mas a falta de previsibilidade sobre a produção pode afetar o resultado.
"Estamos trabalhando em um ambiente de pouca previsibilidade para abastecer todos os canais no menor tempo possível", disse o executivo. "Depende do que vai acontecer daqui a quatro semanas."
Apesar dos resultados, Filosa mantém o otimismo e vê sinais de melhora no horizonte. Mas evita comentar sobre o cenário político. "Há questões presentes, mas sou italiano, não falo de matérias políticas brasileiras."
Crise hídrica e energética
O aumento da conta de luz e seu impacto sobre a inflação reduziu de compra das famílias e ajudou a deixar o consumo estagnado. Um possível racionamento levaria à redução da atividade econômica.
Crise institucional
As ameaças de desrespeito à Constituição e contra outros Poderes por parte do presidente Jair Bolsonaro são vistas pelo mercado como um risco para a recuperação da economia porque aumentam o risco institucional e afetam negativamente os preços dos ativos, principalmente dólar e juros. O centário conturbado adia decisões de investimento.
Crise sanitária
Para analistas, a retomada depende de melhora nos números sobre mortes e contaminações por Covid, que permitam manter a reabertura da economia.
Escassez de insumos industriais
A escassez de insumos é apontada como um dos fatores que explicam o recuo da indústria brasileira no segundo trimestre.
Queda na renda e desemprego
Motor da economia brasileira, o consumo das famílias ficou estagnado no segundo trimestre. Para os próximos meses, são considerados riscos o fim do auxílio emergencial, a alta dos juros, da inflação e o ainda elevado nível de desemprego.
Rápida redução de estímulos no exterior
A Genial Investimentos vê o risco de o banco central americano (Fed) promover o processo de redução de estímulos econômicos de forma rápida, o que tornaria o cenário mais desafiador para os países emergentes (Folha de S.Paulo, 2/9/21)
Ibovespa fecha em alta na primeira sessão de setembro; dólar a R$ 5,1847
O Ibovespa fechou hoje (1º) em alta de 0,52%, aos 119.395 pontos, apesar de o resultado do PIB (Produto Interno Bruto) do segundo trimestre ter decepcionado investidores, que esperavam um avanço de 0,2% em vez da queda de 0,1% informada pelo IBGE nesta quarta-feira. A Bolsa brasileira se apoiou no avanço das ações de bancos e no bom desempenho das bolsas norte-americanas, com o Nasdaq atingindo nova máxima e o S&P 500 se mantendo em patamares recordes.
Na agenda macroeconômica, o resultado da balança comercial brasileira, por outro lado, trouxe dados positivos. Em agosto, houve superávit de US$ 7,7 bilhões, um recorde histórico para o mês na série iniciada em 1989. O montante superou a estimativa de analistas, que previam um saldo positivo de US$ 7,2 bilhões, segundo pesquisa da Reuters. No acumulado de janeiro a agosto, o superávit chega a US$ 52 bilhões, ante US$ 35,7 bilhões registrados no mesmo período do ano passado.
Em Wall Street, os índices fecharam no azul – o S&P 500 avançou 0,03%, a 4.524 pontos, e o Nasdaq subiu 0,33%, a 15.309. O Dow Jones foi na contramão e fechou em leve baixa de 0,14%, a 35.312 pontos.
Dados do mercado de trabalho norte-americano divulgados hoje mostraram que foram abertas 374 mil vagas em agosto, abaixo das projeções de economistas da Refinitiv, que calculavam 613 mil novos empregos. “O resultado corrobora a tese do Banco Central dos EUA que a segunda onda [da Covid-19] afetou a economia e a expectativa de manutenção dos estímulos econômicos, o que favorece o apetite por risco”, diz Rafael Ribeiro, analista da Clear Corretora.
O dólar encerrou o dia em leve alta de 0,29%, a R$ 5,1847 na venda, na primeira sessão de setembro, que começou com investidores dando uma pausa para avaliar um cenário que ainda contempla os mesmos fatores de riscos fiscais e políticos do Brasil vistos nos últimos dias. A moeda norte-americana registrou sete quedas nas últimas oito sessões, período no qual recuou 4,62%.
O mercado reagiu de forma moderada aos números do PIB brasileiro do segundo trimestre, mas há risco de que as revisões de baixa nas estimativas econômicas ganhem força nos próximos dias e afetem a atratividade do real. Nesta quarta, o Credit Suisse baixou os prognósticos para o PIB deste e do próximo ano.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta quarta-feira que o dólar tem se comportado melhor, mas que os agentes econômicos seguem atentos a sinais sobre o comprometimento do governo com a sustentabilidade fiscal. “Se de fato o Brasil conseguir atingir credibilidade com um dólar desvalorizado, com exportações, com preço de commodities, esse fluxo deve fazer o dólar voltar a um equilíbrio mais baixo, mas temos um tema de credibilidade. Temos tido uma oscilação grande entre entrada e saída de acordo com o que os agentes econômicos entendem o que é o futuro do país”, disse ele (Reuters, 1/9/21)